Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2008

Peixe Amarelo, acrilica sobre tela, 50 X 70

Imagem
Teoria das Cores - Paul Klee Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia o que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor - sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro, através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor. Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia

Rosário Fusco: fragmentos de "A.S.A. - Associação dos Solitários Anônimos"

Imagem
- Quando formos uma potência em número de correligionários e simpatizantes, estabeleceremos um horário universal para a bênção diária do nosso trago de vida eterna. Isso não é uma regra: é o reconhecimento da conveniência de uma disciplina para o bem comum. Disciplina, aqui, quer dizer acordo. Formado o círculo em volta da Terra, nossas preces removerão outros mundos com um simples cálice d’água. Assim como o oceano cabe na gota do mar, numa gota d’água transistorizada todas as potências do céu e da terra se concentram. Nesse dia, passaremos a fornecer fórmulas de minúsculos comprimidos (de fabricação caseira) para serem ingeridos à noite, de acordo com a preferência ocupacional de cada um: estímulo de vocações e rendimento de profissões – do lixeiro à vendedora de violetas, passando pelos viciados em esperma – além da receita da grande pílula universal, que chamaremos de alfa-zero. Última etapa do nosso esforço pioneiro, capaz de servir indiscriminadamente aos futuros exercícios, físi

Samuel Beckett: fragmentos de "Malone Morre"

Logo enfim vou estar bem morto apesar de tudo. Talvez mês que vem. Vai ser abril ou maio. O ano ainda é uma criança, mil sinaizinhos me dizem. Quem sabe esteja errado, quem sabe consigo chegar até o dia da festa de são João Batista ou até mesmo o quatorze de julho, festa da liberdade. Qual o quê, sou bem capaz de durar até a transfiguração, me conheço bem, ou até a Assunção. Mas não acredito, não acho que estou errado em dizer que estas festas vão ter que passar sem mim, este ano. Tive essa sensação, faz dias que venho tendo, e acredito nela. Mas em que difere daquelas que fazem de mim gato e sapato desde que me conheço por gente? Não, esse é o tipo de armadilha em que não caio mais, meu desejo de pitoresco passou. Podia morrer hoje, se quisesse, apenas fazendo um pequeno esforço, se eu pudesse querer, se eu pudesse fazer esforço. Mas não me custa nada me deixar morrer, quietinho, sem precipitar as coisas. Alguma coisa deve ter mudado. Não vou forçar nenhum dos pratos da balança, nem p

John Fante: fragmentos de "Pergunte ao Pó"

Eu tinha vinte anos na época. Que diabo, eu dizia, não se apresse, Bandini. Você tem dez anos para escrever um livro, vá com alma, sai e aprenda sobre a vida, caminhe pelas ruas. Este é o seu problema: sua ignorância da vida. Ora, meu Deus, rapaz, você percebe que nunca teve uma experiência com uma mulher? Oh sim, eu tive, oh sim, tive bastante. Oh não, você não teve. Precisa de uma mulher, precisa de um banho, precisa de um bom empurrão, precisa de dinheiro. Dizem que é um dólar, dois dólares nos lugares chiques, mas na Plaza é um dólar; maravilha, mas você não tem um dólar e outra coisa, seu covarde, ainda que tivesse um dólar não iria, porque teve uma chance, certa vez em Denver, e não foi. Não, seu covarde, teve medo, e ainda tem medo, e está feliz por não ter um dólar. Com medo de uma mulher! Ah, grande escritor este aqui! Como pode escrever sobre mulheres se nunca teve uma mulher? Ora, seu miserável farsante, seu mentiroso, não admira que não consiga escrever! Não admira que não

Campos de Carvalho: fragmentos de "Obra Reunida"

Onde está o vento? Este peso nas costas, no pensamento – vem do teto ou das nuvens assim paradas, invisíveis me vendo: sinto que estão ali paradas, AQUI, bem sobre o meu corpo também imóvel – eu e o meu corpo paralisado e talvez já morto: mais ainda eu. Se ao menos houvesse o vento – nem que fosse o ruído do vento, o rumor do vento como há o rumor do mar ou da chuva, ou qualquer rumor que não seja este silêncio, o deste silêncio! – Mas apenas ouço, vejo, o peso destas nuvens e do que está ainda mais em cima, de todo esse ar que me falta e que me traz esta asfixia, esta paralisia – como se me houvessem enterrado e eu estivesse enterrado: dentro desta mortalha. Mais ainda não estou morto, sei que não estou, SEI: isto é o importante. E este silêncio, e agora este frio – antes não havia este frio – este silêncio neste frio, e este peso sobretudo este peso sobre a minha cabeça, tudo isso então é que estou sendo a vítima de algum mistério, não de um engano ou de uma alucinação mas de algum m