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Mostrando postagens de outubro, 2008
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Homens sem Mãos, Acrílica sobre tela, 50 X 70 Inspirada nos homens bizarros de Magrite A Propósito de René Magrite Magritte praticava o surrealismo realista, ou “realismo mágico”. Começou imitando a vanguarda, mas precisava realmente de uma linguagem mais poética e viu-se influenciado pela pintura metafísica de Chirico. Magritte tinha espírito travesso, e, em A queda, seus bizarros homens de chapéu-coco despencam do céu absolutamente sereno, expressando algo da vida como conhecemos. Sua arte, pintada com tal nitidez que parece muitíssimo realista, caracteriza o amor surrealista aos paradoxos visuais: embora as coisas possam dar a impressão de serem normais, existem anomalias por toda a parte: A Queda tem uma estranha exatidão, e o surrealismo atrai justamente porque explora nossa compreensão oculta da esquisitice terrena. Mudou-se para Paris em 1927 , onde começou a se envolver nas atividades do grupo surrealista, tornando-se grande amigo dos poetas André Breton e Paul Éluard e do

Erasmo de Roterdã: Fragmentos de "Elogio da Loucura"

Com efeito, sem prazeres, que é a vida? Merecerá o nome de vida?... Vós me aplaudis, meus amigos! Ah! Bem sabia eu que sois demasiadamente loucos, isto é, demasiadamente sábios, para não terdes a minha opinião... Até os estóicos amam o prazer, que não saberiam odiar. Deixemo-los dissimular, deixemos que se esforcem por difamar a volúpia aos olhos do vulgo, cobrindo-a das mais atrozes injúrias: são momices apenas! O que querem é afastar os outros, para dela gozarem com muito maior liberdade. Por todos os deuses! Digam-me eles qual o instante da vida que não é triste, tedioso, desagradável, insípido, insuportável, se o não condimenta o prazer, a loucura. Poderia contentar-me com o testemunho de Sófocles, o grande poeta jamais demasiadamente louvado, que tão belo elogio me fez, ao dizer: A mais agradável das vidas é a que se passa sem nenhuma espécie de sabedoria. Examinemos, pois, o assunto mais minuciosamente. Antes de tudo, não é verdade que a infância, a primeira idade do homem, é a m

Gerard de Nerval: Fragmentos de "As Filhas do Fogo"

ADRIANA Fui para a cama, mas nem aí consegui repouso. Mergulhado numa semi-sonolência, vinha-me à memória toda a minha mocidade. Esse estado, em que o espírito resiste ainda às estranhas combinações do sono, permite-nos, não raro, ver amontoarem-se em poucos minutos os quadros mais expressivos de um longo período da nossa vida. Imaginava eu um castelo do tempo de Henrique IV, com os seus telhados pontiagudos cobertos de ardósia e a sua face avermelhada, com as esquinas denteadas de pedra amarelecida, um vasto largo verde enquadrado por olmos e tílias, através de cuja folhagem se infiltravam os rubros raios do sol poente. Sobre a relva, as raparigas faziam uma roda, cantando velhas árias transmitidas por suas mães, canções essas de um francês tão naturalmente puro, que se tornava aprazível viver nessa velha terra do Valois onde, durante mais de mil anos, batera o coração da França. Eu era o único rapaz da roda, e comigo trouxera a minha companheira, Sílvia, bastante nova ainda, uma rapa
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Casario com Bandeirinhas, acrilica sobre tela 50 X 70 Ao mestre Alfredo Volpi com carinho Mesmo tendo nascido na Itália, de onde foi trazido com menos de dois anos, Volpi é um dos mais importantes artistas brasileiros deste século. Antes de mais nada, trata-se de um pintor original, que inventou sozinho sua própria linguagem. Isso é muito raro na arte produzida em países do terceiro mundo, cuja cultura erudita sempre deve algo a modelos internacionais. Diferentemente das de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, cujas analogias estilísticas com Léger e Picasso são reais, a pintura de Volpi não se parece com a de ninguém no mundo. Pode, quando muito ter, às vezes, um clima poético próximo ao da pintura de Paul Klee - mas sem semelhanças formais. Embora fosse da mesma geração dos modernistas, Volpi não participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Dela estava separado, em primeiro lugar, por uma questão de classe social. Imigrante humilde, lutava arduamente pela vida no momento em que os in

Octavio Paz: Fragmentos de "A Outra Voz"

QUANTIA E VALIA Esta reflexão começou com uma pergunta dividida em duas partes. Uma, a primeira, de ordem quantitativa: quantos são os leitores de poemas? Como vimos, a questão numérica, isolada, não tem sentido. O numero de leitores varia com as distintas sociedades e épocas; varia, igualmente, no interior de cada época e ainda em relação à mesma pessoa: o esotérico e ilegível Eliot, lido por um bando de excêntricos em 1920, se converte no bispo Eliot, ouvido com unção por multidões em 1940. para ter sentido o quantos? Deve se associar com a segunda parte da pergunta: quem? Que classe de pessoas lêem livros de poemas? O quem inclui o quantos: melhor dizendo, o dilui, deixa de ser um numero. A pergunta sobre o quem implica, em primeiro lugar, pluralidade de espaços: onde? Em que país ou em que cidade? Em seguida, introduz uma dimensão temporal: quando, em que época, em que século, ano? Finalmente, o quando e o onde estão ligados a determinadas classes sociais, instituições políticas e

André Breton: Fragmentos de "Nadja"

Quem sou? Se excepcionalmente recorresse a um adágio, tudo poderia realmente resumir-se em saber “com quem ando?” Devo confessar que essa expressão me perturba um pouco, pois tende a estabelecer entre mim e certas pessoas relações mais singulares, menos evitáveis, mais perturbadoras do que poderia imaginar. Diz muito mais do que intenta dizer, faz-me desempenhar em vida o papel de um fantasma, alude evidentemente ao que eu deveria deixar de ser, para ser quem na verdade sou. Tomando-a de forma um tanto abusiva nesta acepção, dá-me a entender que tudo quanto considero manifestações objetivas de minha existência, manifestações mais ou menos deliberadas, não passa, nos limites desta vida, de uma atividade cujo verdadeiro campo permanece para mim inteiramente desconhecido. A representação que tenho do “fantasma” e daquilo que ele apresenta de convencional, não apenas em seu aspecto mas ainda em sua cega submissão a certas contingências de tempo e de lugar, vale, antes de mais nada, para mi
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Qual a diferença entre cor de velho e cor de adolescente? Escreveu-me a divindade certo dia e eu, que nem fósforos coleccionava, mas tinha ainda a tonalidade juvenil, recortei a divina rubrica destruindo assim o seu valor e o da carta. Ali nos banhávamos, em letras de luz narcísica; o ego resplandecente e muito maior que rã da fábula. Os girassóis debruçados das pálpebras como candelabros. E agora vamos cor-de-burro-quando-foge cor-de-noite-quando-chega mal acompanhada, vamos indo cada vez mais para Norte para as pradarias de neve pintar com as cores da morte. Estela Guedes Primavera de 2008 Brancos Espirais. Repelentes espirais, sobre acrilica 50 X 70

Sobre Fernando Pessoa

Amigos leitores. permita-me hoje não postar meus "Fragmentos Literários", em pró de tão belo texto escrito por José Saramago, publicado em " O Caderno de Saramago" no endereço http://caderno.josesaramago.org/ Sobre Fernando Pessoa Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que

Carl Solomon: Fragmentos de "De Repente, Acidentes"

Um Livro Capítulo I Eu acho justo, antes de morrer, acrescentar mais um livro aos milhares já publicados. Já que milhões de mentes perturbadas falaram antes de mim, eu também vou falar. Não há necessidade de manter a pose de um mudo. Da sarjeta, levarei você aos grandes edifícios, e de lá à cozinha de um navio em alto-mar, e de lá para uma cela acolchoada, e de lá para o Yankee Stadium. Mickey Mantle, Ho Chi Minh, e Kierkegaard estão todos ao meu alcance. A carne corta a carne, o sangue escorre na pia, e assim eu escrevo. Minhas recordações só começam nos anos quarenta, e é ai que vou começar minha história. Diante da vitrine de uma livraria, meu olhar pousou por acaso em um exemplar de “Ouvert La Nuit” de Paul Morand. Eu avistei E.N., um colega da universidade, contemplando seu perfil em um espelho de mão. Ele e seu perfil! Sempre lembrei dele obcecado com seu perfil. Nessa época, a maioria das pessoas da minha idade parecia preocupada em primeiro lugar com a aparência. Uma espécie de

Octavio Paz: fragmentos de "Marcel Duchamp, ou o Castelo da Pureza"

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Talvez os dois pintores que maior influência exerceram em nosso século sejam Pablo Picasso e Marcel Duchamp. O primeiro pelas suas obras, o segundo por uma obra que é a própria negação da moderna noção de obra. As mudanças de Picasso – seria mais exato dizer: suas metamorfoses – não cessaram de nos surpreender durante mais de cinqüenta anos; a inatividade de Duchamp não é menos surpreendente e, à sua maneira, não menos fecunda. As criações do grande espanhol foram, simultaneamente, encarnações e profecias das mutações que nossa época sofreu, desde o fim impressionismo até a Segunda Guerra Mundial. Encarnações: em suas telas e em seus objetos o espírito moderno se torna visível e palpável; profecias: em suas mudanças nosso tempo só se afirma para negar-se e só se nega para inventar-se e ir mais além de si. Não um precipitado de tempo puro, não as cristalizações de Klee, Kandinsky ou Braque, mas o próprio tempo, sua urgência brutal, a iminência do agora. Desde o princípio Duchamp opôs à