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Mostrando postagens de 2009

Paul Klee: Fragmentos de "Sobre a Arte Moderna e Outros Ensaios"

Sobre a Arte Moderna 4   Senhoras e senhores:  Ao tomar a palavra diante de meus trabalhos, que na verdade deveriam se expressar em sua própria linguagem, fico apreensivo, por não saber se os motivos que me levam a isso são suficientes, ou se vou falar de maneira apropriada. Pois se, como pintor, sinto possuir os meios de expressão para pôr os outros em movimento na direção em que eu mesmo sou impelido, não me sinto capaz de, usando palavras, indicar com a mesma certeza tal caminho. Entretanto me tranqüilizo pelo fato de que meu discurso não se dirige isoladamente aos senhores, mas sim completando as impressões recebidas de meus quadros – o que talvez possa dar a eles a caracterização que ainda está mal definida. Se eu conseguir fazer isso de algum modo, ficarei satisfeito e considerarei alcançado o objetivo de minha tentativa de argumentação diante dos senhores. Para me esquivar da reprovação “pinte, artista, não fale”, gostaria de levar em consideração principalmente a parte do proce

Wassily Kandinsky: Fragmento de "Do Espiritual na Arte"

O artista é e permanece livre para combinar os elementos abstratos e os elementos objetivos, para realizar uma escolha entre a série infinita das formas abstratas ou do material que os objetos lhe fornecem – em outras palavras, é livre para escolher seus próprios meios. Assim fazendo, ele obedece unicamente ao seu desejo interior. Uma forma hoje desprezada e desacreditada, que parece situar-se à margem da grande corrente da pintura, aguarda simplesmente o seu mestre. Essa forma não está morta, mas apenas em letargia. Quando o conteúdo – o espírito que só pode manifestar-se por essa forma aparentemente morta – alcança a maturidade, quando soa a hora de sua materialização, ele entra nessa forma e fala através dela. O profano, em particular, não deveria abeirar-se de uma obre perguntando-se o que o artista não fez; ou seja, não deveria colocar esta questão: “Em que o artista se dá ao luxo de desprezar as minhas expectativas?” Ao contrário, ele deveria perguntar-se o que o artista fez, faz

Oscar Wilde: Fragmentos de "O Retrato de Dorian Gray"

No dia seguinte, Dorian Gray não saiu de casa. Passou a maior parte do tempo em seu quarto, presa de um terror selvagem da morte, e, contudo, indiferente à vida. A certeza de estar sendo perseguido, tocaiado, começava a tomar conta dele. Estremecia, se o vento agitava as cortinas. As folhas secas atiradas contra as vidraças pareciam-lhe suas próprias resoluções inúteis e seus dolorosos pesares. Quando fechava os olhos, tinha a impressão de que via o rosto do marinheiro, que o espreitava através dos vidros embaçados pela neblina. Então, o pavor pesava-lhe no coração, mais uma vez. Mas talvez tudo aquilo fosse apenas fruto da sua imaginação, que atraía a vingança do fundo da noite e punha diante dele as cruéis imagens do castigo. A vida real era um caos, mas existia alguma coisa de terrivelmente lógico na imaginação. Era ela que colocava o arrependimento nos rastros do pecado. Era ela que proporcionava a cada crime sua prole horrenda. No mundo dos fatos comuns, nem os maus eram castigado

Abbas Kiarostami: o cineasta do nada e do tudo

Marcelo Miranda Nada acontece nos filmes de Abbas Kiarostami. Tudo acontece nos filmes de Abbas Kiarostami. Afirmações paradoxais, mas que definem de forma resumida e certeira o que é, na essência, o tipo de cinema feito por esse diretor iraniano prestigiado, elogiado e premiado. Mas como, num universo atual de filmes pirotecnicamente vazios, como os feitos pelo cinema-lixo de Hollywood, ou de certas produções pseudo-intelectuais e pretensiosas que pipocam nos festivais mundo afora, um cineasta como Kiarostami consegue respeito e reconhecimento? Para entender um pouco as duas afirmativas do início, é preciso, claro, recorrer aos filmes do diretor. Comecemos pela primeira: nada acontece. Significa quase literalmente isso: Kiarostami é a antítese do grande cinemão dos EUA, fincado na idéia de que os filmes devem contar uma historinha com introdução, desenvolvimento, clímax e conclusão, sem deixar praticamente nada para o próprio espectador, mastigando e engolindo tudo de uma vez. Kiarost

Georges Bataille: Fragmentos de 'O Erotismo"

O SENTIDO ÚLTIMO DO EROTISMO É A MORTE Na procura de beleza, existe um esforço para ter acesso à continuidade para além de uma ruptura e, ao mesmo tempo, um esforço para escapar dela. Esse esforço ambíguo não cessa de existir. Mas sua ambigüidade resume, retoma o movimento do erotismo. A multiplicação incomoda um estado de simplicidade do ser, um excesso derruba os limites, acaba de toda maneira em um transbordamento. Sempre é dado um limite com o qual o ser concorda. Ele identifica esse limite ao que ele é. O pensamento de que esse limite cesse de existir lhe causa horror. Mas nós nos enganamos levando a sério o limite e o acordo que o ser lhe dá. O limite só é dado para ser excedido. O medo (o horror) não indica a verdadeira decisão. Ao contrário, ele incita, por via indireta, a transposição dos limites. Se ao experimentarmos, sabemos que se trata de responder à vontade, inscrita em nós, de exceder os limites. Queremos excedê-los, e o horror experimentado significa o excesso ao qual

Darcy Ribeiro: Fragmentos de "Confissões"

MULHERES As mulheres sempre me interessaram soberanamente. Desde que me lembro de mim, criança ainda, me vejo embolado nelas. Carente, pedindo carinho. Encantado, querendo encantar. Quis ter muitíssimas, se conto as duas ou três que sempre tive em mente como senhoras dos meus desejos. Alcancei as graças de pouquíssimas. Uma pena. Foram elas, são elas, o sal de minha carne, o gosto e gozo de meu viver. Marinheiro neste mundo, amor é o vento que sopra minhas velas nas travessias. Amando, navego por mares calmos e bravos, me sentindo ser e viver. Não posso é viver sem amor, desamado, na pasmaceira das calmarias; parado, bradando de ver o mar da vida marulhar à toa. Um olhar trocado, instantâneo, me acende todo em expectativas. Antigamente, jovem, tímido demais, ficava nisso, esperando outra piscadela, com medo de que me fugisse, nem olhares me desse mais. Maduro, fiquei meio ousado, impaciente. Ao primeiro sinal de assentimento provável me precipito. Assusto, assim, muitas vezes, amores l