Georges Bataille: Fragmentos de 'O Erotismo"

O SENTIDO ÚLTIMO DO EROTISMO É A MORTE
Na procura de beleza, existe um esforço para ter acesso à continuidade para além de uma ruptura e, ao mesmo tempo, um esforço para escapar dela.
Esse esforço ambíguo não cessa de existir.
Mas sua ambigüidade resume, retoma o movimento do erotismo.
A multiplicação incomoda um estado de simplicidade do ser, um excesso derruba os limites, acaba de toda maneira em um transbordamento.
Sempre é dado um limite com o qual o ser concorda. Ele identifica esse limite ao que ele é. O pensamento de que esse limite cesse de existir lhe causa horror. Mas nós nos enganamos levando a sério o limite e o acordo que o ser lhe dá. O limite só é dado para ser excedido. O medo (o horror) não indica a verdadeira decisão. Ao contrário, ele incita, por via indireta, a transposição dos limites.
Se ao experimentarmos, sabemos que se trata de responder à vontade, inscrita em nós, de exceder os limites. Queremos excedê-los, e o horror experimentado significa o excesso ao qual devemos chegar, ao qual, se não fosse o horror preliminar, não teríamos podido chegar.
Se a beleza, cuja perfeição rejeita a animalidade, é apaixonadamente desejada, é que nela a possessão introduz a sujeira animal. Ela é desejada para ser sujada. Não por ela mesma, mas pela alegria experimentada na certeza de profaná-la.
No sacrifício, a vítima era escolhida de tal maneira que sua perfeição acabasse por tornar sensível a brutalidade da morte. A beleza humana, na união dos corpos, introduz a oposição entre a mais pura humanidade e a animalidade medonha dos órgãos. Do paradoxo da feiúra oposta à beleza no erotismo, os Carnets (Cadernos) de Leonardo da Vinci resultam nessa expressão surpreendente: “O ato da cópula e os membros dos quais ele se serve são de uma tal feiúra que se não existisse a beleza dos rostos, os enfeites dos participantes e o entusiasmo desenfreado, a natureza perderia a espécie humana”. Leonardo não vê que a atração de um belo rosto ou de uma bela roupa atua na medida em que esse belo rosto anuncia o que a roupa dissimula. Trata-se de profanar esse rosto, sua beleza. De profaná-lo em primeiro lugar revelando as partes secretas de uma mulher e, depois, nelas introduzir o órgão viril. Ninguém duvida da feiúra do ato sexual. Da mesma maneira que a morte no sacrifício, a feiúra da cópula provoca a angústia. Mas quanto maior é a angústia – na medida da força dos parceiros – mais forte é a consciência de exceder os limites, que determina um êxtase de alegria. Mesmo que as situações variem conforme os gostos e os hábitos, isso geralmente não faz com que a beleza (a humanidade) de uma mulher não contribua para tornar sensível – e chocante – a animalidade do ato sexual. Nada é mais deprimente, para um homem, que a feiúra de uma mulher, de quem a feiúra dos órgãos ou do ato não se sobressaia. A beleza importa em alto grau no que toca ao fato de a feiúra não poder ser sujada, e que a essência do erotismo é a sujeira. A humanidade, significativa da interdição, é transgredida no erotismo. Ela é transgredida, profanada, sujada. Quanto maior é a beleza, mais profunda é a sujeira.

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