Wassily Kandinsky: Fragmento de "Do Espiritual na Arte"

O artista é e permanece livre para combinar os elementos abstratos e os elementos objetivos, para realizar uma escolha entre a série infinita das formas abstratas ou do material que os objetos lhe fornecem – em outras palavras, é livre para escolher seus próprios meios. Assim fazendo, ele obedece unicamente ao seu desejo interior. Uma forma hoje desprezada e desacreditada, que parece situar-se à margem da grande corrente da pintura, aguarda simplesmente o seu mestre. Essa forma não está morta, mas apenas em letargia. Quando o conteúdo – o espírito que só pode manifestar-se por essa forma aparentemente morta – alcança a maturidade, quando soa a hora de sua materialização, ele entra nessa forma e fala através dela.
O profano, em particular, não deveria abeirar-se de uma obre perguntando-se o que o artista não fez; ou seja, não deveria colocar esta questão: “Em que o artista se dá ao luxo de desprezar as minhas expectativas?” Ao contrário, ele deveria perguntar-se o que o artista fez, fazer esta pergunta: “Que desejo interior pessoal o artista expressou nessa obra?” Creio que chegará o tempo em que também a crítica considerará que sua tarefa é, não detectar os aspectos negativos, mas discernir e dar a conhecer os resultados positivos, os êxitos. Diante de uma produção de arte abstrata, a crítica contemporânea se pergunta antes de mais nada: “Como distinguir o verdadeiro do falso em tal obra?”, ou seja: “Como se pode descobrir nela possíveis senões?” É esta uma de suas “principais” preocupações. Não deveríamos ter para com a obra de arte a mesma atitude que se tem para com um cavalo que queremos comprar. No caso do cavalo, o defeito importante reduz a nada todas as qualidades que ele possa ter e torna-o sem valor; com a obra de arte a relação é inversa: uma qualidade importante reduz a nada todos os defeitos que ela possa ter e torna-a preciosa.
Uma vez admitido esse ponto de vista, as questões de forma, colocadas em nome de princípios absolutos, cairão por si mesmas; o problema da forma receberá o valor relativo que lhe convém, e o artista ficará finalmente livre para escolher o que lhe é necessário para casa obra.
Antes de terminar estas poucas considerações, infelizmente demasiado breves, acerca da questão da forma, gostaria de falar neste livro 13 de alguns exemplos de construção. Serei obrigado, aqui, a sublinhar apenas um aspecto das obras, fazendo abstração de suas inúmeras outras particularidades, que não caracterizam somente uma obra, mas também a alma do artista.
13- Trata-se de Almanaque do Cavaleiro Azul (Blaue Reiter), no qual figurava este artigo.

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