Anjos Caidos

Um dos conceitos mais vivos do materialismo histórico de Marx é o salto qualitativo. As pequenas mudanças quantitativas vão se acumulando na História dos povos e, de repente, o que era quantidade vira qualidade. E pronto, não volta mais atrás. Muitos erros acabam virando equívocos definitivos, pequenos problemas organizam uma catástrofe.
Fenômeno semelhante acontece em nossas vidas. Como num trapézio, ela (a vida), oscila entre o alto e o baixo, nos mantendo sempre em estado máximo de alerta. Determinadas situações nos fazem duvidar de nós mesmos.
Fatos inventados e propagados de forma sincera, sublinhados e temperados por doses de emoção e gestos, terminam por ser tornarem a mais pura das realidades. O alto grau de servidão nos torna seres mutantes, sem destino. Perdemos nossas raízes e nos deixamos levar pela total falta de personalidade. Ontem, pensava-se duma maneira, hoje, acorda-se sentindo verdadeira ojeriza dos pensamentos de ontem. Não podemos ficar alheios aos fatos. Mudam-se a história, mudamos nosso pensar.
De forma melancólica, vemos nosso pensar nos abandonar e com ele nossa íntima história de vida. No final não teremos nada para contar aos nossos descendentes, pois não teremos ancestrais. Será o fim do sujeito. Seremos todos objetos, sem o chique de qualquer sentimento de especialidade.
Numa sociedade decadente, fatos desinteressantes, quase sem valia, ganham notoriedades e, a partir de então, viram “febres” incontroláveis. É comum o uso por nossa sociedade de bordões e gírias inventadas, jogadas às ruas, principalmente pelos meios de comunicação, nos levando ao delírio extremo de acreditarmos que tal invenção é na verdade um fato real, uma existência secular, uma realidade.
Lá pela metade do século XIX, Baudelaire, no papel de crítico, se encantava com a modernidade das artes. Tempos depois Baudrillard, sepulta as teses baudelaireanas sobre a modernidade, afirmando que toda modernidade, nada mais é que a leitura dos fatos sob nova ótica, assim não há nada de novo com que a civilização possa se encantar, ma sim uma repetição dos fatos, modificada apenas por efeitos especiais, produzidas em larga escala com a finalidade de atender as necessidades quantitativas e não qualitativas. Quando quisermos falar de futuro da humanidade, haveremos sempre que citar o passado. Nosso presente está arquivado e em desuso.
A arte está acabada, destruída que foi pela computação gráfica: o belo, o sublime, o lírico e o trágico, sem obras atrás. A arte, no futuro será uma religião sem seguidores, teremos apenas a arte do nada: apenas a muda contemplação rancorosa da vida sem vida.
Da dádiva à dúvida, nós, seres humanos num futuro não muito distante, seremos apenas ilusão, diante dum mundo sem nexo, oco, opaco e apenas quantitativo. Simplesmente quantitativo.
E no fim, como profetiza Jabor, “Só os homens-bomba gozarão do livre-arbítrio. Por uma fração de segundos, serão livres, leves e soltos. Osama é o profeta de Alá, e Bush, seu apóstolo. Estamos apenas no começo”.

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