Descaminhos Educacionais

O ingresso às instituições de ensino superior, em noções desenvolvidas, é baseado no percurso escolar ao longo da construção do conhecimento por cerca de 12 anos da vida dos estudantes. Em nosso país, essa situação não deixa de ser seguida, apesar da situação do corte do vestibular, e mas recentemente, pela implantação por parte de algumas instituições pela aplicação do provão do ensino médio, como forma de avaliação do estudante e conseqüentemente o acesso ou não do candidato as instituições aqui citadas.
O aproveitamento do candidato ao vestibular, não se restringe à possibilidade de ingresso na universidade. Também é um fator determinante no rendimento acadêmico do estudante, que por sua vez, abre as portas no mercado de trabalho, este cada vez mais exigente quanto ao coeficiente de rendimento de seus solícitos.
Posto isso, me permito ser remetido até o século XII, onde foram pelos próprios estudantes criadas às primeiras universidades, que funcionavam como uma espécie de comunidade ou cooperativa para forçar cidades como Paris e Bolonha, entre outras, a lhes garantir isenção de taxas e alguns privilégios. Se uma determinada província não lhe garantisse tais exigências, eles simplesmente “levantavam acampamento”, e iam embora, “carregando” as universidades com eles e só retornavam quando tivessem conquistado seus pedidos, como aconteceu em Bolonha em 1217.
A história muda, no entanto a partir do século 19, quando os estudantes alemães criaram as suas próprias organizações – os Burenschaftens – que por sua vez, deixaram de ser apenas veículos voltados unicamente para os interesses dos universitários, vindo a ser tornar poderosos instrumentos de transformação da sociedade. Nacionalistas e progressistas, os birôs, tiveram um papel de liderança nos acontecimentos revolucionários de 1848. Conseqüentemente os estudantes de diversos países da Europa acabaram se tornando alvo de investigação e repressão por parte do Estado, ganhando muitas vezes um tratamento hostil por parte das autoridades, o que se tornou explícito durante guerras civis ferrenhas, como as longas décadas de luta, anticzaristas na Rússia.
No século 20, o papel dos estudantes ganhou outra dimensão, engrossando as lutas anticoloniais na Indonésia, na Índia, em Burma e em muitos outros países da África, além da participação de movimentos em prol dos direitos civis nos Estados Unidos. No Brasil podemos destacar os longos anos de repressão do regime militar a UNE e mais recentemente a participação dos estudantes em pró do movimento “diretas já”, bem como no apoio a sociedade pelo processo de “impedimento” ao Governo Collor.
Partindo do princípio que: “Democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um”. A definição política e poética do escritor Mário Quintana soa como solução óbvia em um país no qual muitos não têm condições nem sequer de comer, quanto mais de aspirar a sair de onde estão. Soa óbvia também, se aplicada à pequena amostra da sociedade delimitada pela expressão “estudante de universidade pública”. Afinal, estudando ainda gratuitamente estão pobres e ricos, filhos de doutores e filhos de analfabetos. Mas o conjunto de políticas que poderia tornar democrática a passagem desses alunos pela universidade, ou seja, colocá-los em pé de igualdade para progredir em seus estudos, está sendo praticamente abolida pelos dirigentes das instituições. A assistência estudantil passou a ser uma esmola dada a poucos.
O fator sócio-econômico determina aqui a diferença. Observe que, se aos estudantes fosse facultado as mesmas condições de vida, que os níveis sociais acima citados, gozassem dos mesmos “privilégios”, fatalmente estaria criada diversas possibilidades de maior rendimento intelecto, e conseqüentemente, maior seria o índice de aprovação em nossas universidades. Mas sabemos que tal realidade esta longe de acontecer, principalmente no tocante as classes menos favorecidas, pois dado a sua necessidade de auto-sustento, a maior parte dos jovens, para estudar, se vê com a vida dividida em duas jornadas de trabalho, uma assalariada, de onde provém seu sustento e, em muitos casos o de toda família, outra, a dos estudos, que por vezes fica comprometida, a despeito de quaisquer méritos acadêmicos. A falta de uma política de assistência estudantil, mais especificamente, aos alunos de menos condições financeiras é uma forma discreta, mas eficiente de elitizar o ensino superior em nosso país. Em contra partida, a minoria, não em termos quantitativos, pois dados divulgados por institutos renomados, mostram que mais da metade dos alunos de nossas universidades públicas pertencem as classes A e B, mas do aspecto sócio-econômico, aqueles alunos que em tais condições se preparam de uma forma à possibilitar maiores e melhores rendimentos, visto que, o aluno preparado em cursos pré vestibulares de boa qualidade, com disponibilidade para dedicar-se em período único aos estudos, e, se a tudo isso, também aplicar seu interesse, criará todas as condições para um melhor aprendizado, e por conseguinte galgar patamares mais elevados quando de seu acesso ao mercado de trabalho.
Segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), apenas 10,1 por cento de um universo de mais de 440.000 alunos da Ifes são beneficiados por algum programa de assistência estudantil. Pelo mesmo levantamento, sabe-se que 30,54 por cento dos alunos das universidades federais pertencem à classe C, outros 10,5 por cento à classe D e 3,25 por cento à E. observamos que, quase da metade do alunado, portanto, poderia ser considerado carente e por conta disso receber da escola alguma forma de apoio para que o curso, não fosse por eles abandonado. A desculpa da falta de programas que visem dotar as instituições federais de tais instrumentos e verbas esconde a mais profunda razão da falta de políticas sérias e efetivas de assistência estudantil. O que justifica que se fale em contratar professores e construir salas de aula e não criar bolsas de trabalhos dentro da universidade, onde os alunos de classes menos favorecidas pudessem se equivaler à aqueles que a partir do ingresso às tais instituições se utilizam de condições favoráveis para largarem na frente e, por conseguinte quase sempre chegarem primeiro aos seus objetivos. Ao falar de expansão de vagas, igualdade nas salas de aulas, e tanto outros fatores que possam determinar equilíbrios necessários a tornar a educação mais nivelada e acessível a todas as camadas de nossa sociedade, às instituições nos fazem pensar que tal lógica é a mesma que faz com que reitores sejam eleitos sem a participação da comunidade e que os vestibulares sejam formulados para os que pagaram para treinar nos cursinhos de boa qualidade. É a lógica antipoética de que a elite larga na frente. O resto? Bem, o resto que continue um passo atrás.

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