John Fante: fragmentos de "Pergunte ao Pó"

Eu tinha vinte anos na época. Que diabo, eu dizia, não se apresse, Bandini. Você tem dez anos para escrever um livro, vá com alma, sai e aprenda sobre a vida, caminhe pelas ruas. Este é o seu problema: sua ignorância da vida. Ora, meu Deus, rapaz, você percebe que nunca teve uma experiência com uma mulher? Oh sim, eu tive, oh sim, tive bastante. Oh não, você não teve. Precisa de uma mulher, precisa de um banho, precisa de um bom empurrão, precisa de dinheiro. Dizem que é um dólar, dois dólares nos lugares chiques, mas na Plaza é um dólar; maravilha, mas você não tem um dólar e outra coisa, seu covarde, ainda que tivesse um dólar não iria, porque teve uma chance, certa vez em Denver, e não foi. Não, seu covarde, teve medo, e ainda tem medo, e está feliz por não ter um dólar.
Com medo de uma mulher! Ah, grande escritor este aqui! Como pode escrever sobre mulheres se nunca teve uma mulher? Ora, seu miserável farsante, seu mentiroso, não admira que não consiga escrever! Não admira que não houvesse uma mulher em O cachorrinho riu. Não admira que não fosse uma história de amor, seu tolo, seu escolar boboca.
Escrever uma história de amor, aprender sobre a vida.
O dinheiro chegou pelo correio. Não um cheque do poderoso Hackmuth, não uma aceitação de The Atlantic Monthly ou The Saturday Evening Post. Apenas dez dólares, apenas uma fortuna. Minha mãe mandou: alguns trocados de apólices de seguros, Arturo, eu as recebi pelo seu valor em dinheiro e esta é a sua parte. Mas eram dez dólares; um manuscrito ou outro, pelo menos algo fora vendido.
Enfie no bolso, Arturo. Lave o rosto, penteie os cabelos, coloque algo parar cheirar bem enquanto se olha no espelho procurando cabelos grisalhos; porque você está preocupado, Arturo, está preocupado, e isto traz cabelos grisalhos. Mas não havia nenhum, nem um fio. Sim, e o olho esquerdo? Parecia descolorido. Cuidado, Arturo Bandini: não force a vista, lembre-se do que aconteceu com Tarkington, lembre-se do que aconteceu com James Joyce.
Nada mau, parado no meio do quarto, falando com o retrato de Hackmuth, nada mau, Hackmuth, você vai ter uma história sobre isto. Como estou, Hackmuth? Você às vezes pensa, Herr Hackmuth, em como é a minha cara? Você às vezes se pergunta se ele é bonito, aquele sujeito Bandini, autor do brilhante O cachorrinho riu?
Uma vez em Denver, houve outra noite como esta, só que eu não era um autor em Denver, mas estava num quarto como este e fazia esses planos, e era desastroso porque o tempo todo eu pensava na Virgem Santíssima e não cometerás adultério e a esforçada garota sacudiu a cabeça tristemente e teve de desistir, mas aquilo foi há muito tempo e esta noite a coisa vai mudar.
Saí pela janela e escalei a encosta até o alto de Bunker Hill. Uma noite para o meu nariz, uma festa para o meu nariz, cheirando as estrelas, cheirando as flores, cheirando o deserto e o pó adormecido, no alto de Bunker Hill. A cidade espalhava-se como uma árvore de Natal, vermelha, verde e azul. Olá, velhas casas, belos hambúrgueres cantando nos cafés baratos, Bing Crosby cantando também. Ela vai me tratar gentilmente. Não daquelas garotas de minha infância, não daquelas garotas da minha adolescência, daquelas garotas dos meus dias de universidade. Elas me assustavam, eram inseguras, me recusavam; mas não minha princesa, porque ela vai entender. Ela também foi menosprezada.
Bandini, caminhando sozinho, não alto, mas sólido, orgulhoso dos seus músculos, apertando o punho para gratificar-se no duro deleite dos seus bíceps, o absurdamente destemido Bandini, sem medo de nada a não ser do desconhecido num mundo de misteriosa maravilha. Os mortos ressuscitaram? Os livros dizem não, a noite grita sim. Tenho vinte anos, cheguei à idade da razão, vou caminhar pelas ruas lá embaixo, procurando uma mulher. Minha alma já está maculada, deveria voltar atrás, tenho um anjo a me proteger, as preces de minha mãe aplacam meus medos, as preces de minha mãe me aborrecem?
Dez dólares: vão pagar o aluguel por duas semanas e meia, vão me comprar três pares de sapatos, dois pares de calças ou mil selos dos correios para enviar material para os editores; não me diga! Mas você não tem nenhum material, seu talento é dúbio, seu talento é deplorável, você não tem nenhum talento e pare de mentir para si mesmo dia após dia, porque você sabe que O cachorrinho riu não presta e nunca vai prestar.
Então você caminha ao longo de Bunker Hill e sacode o punho para o céu e eu sei o que está pensando, Bandini. Os pensamentos de seu pai antes de você, fustigam-lhe as costas, esquentam-lhe a cabeça, e a culpa não é sua: este é o seu pensamento, que você nasceu de pais miseráveis, pressionados porque eram pobres, fugiu da sua pequena cidade do Colorado porque era pobre, perambula pelas sarjetas de Los Angeles porque é pobre, esperando escrever um livro para ficar rico, porque aqueles que o odiavam lá no Colorado não vão odiá-lo se escrever um livro. Você é um covarde, Bandini, um traidor da sua alma, um péssimo mentiroso diante do seu Cristo ensangüentado. É por isso que escreve, é por isso que seria melhor que você morresse.

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