Casario com Bandeirinhas, acrilica sobre tela 50 X 70
Ao mestre Alfredo Volpi com carinho



Mesmo tendo nascido na Itália, de onde foi trazido com menos de dois anos, Volpi é um dos mais importantes artistas brasileiros deste século. Antes de mais nada, trata-se de um pintor original, que inventou sozinho sua própria linguagem. Isso é muito raro na arte produzida em países do terceiro mundo, cuja cultura erudita sempre deve algo a modelos internacionais. Diferentemente das de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, cujas analogias estilísticas com Léger e Picasso são reais, a pintura de Volpi não se parece com a de ninguém no mundo. Pode, quando muito ter, às vezes, um clima poético próximo ao da pintura de Paul Klee - mas sem semelhanças formais.
Embora fosse da mesma geração dos modernistas, Volpi não participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Dela estava separado, em primeiro lugar, por uma questão de classe social. Imigrante humilde, lutava arduamente pela vida no momento em que os intelectuais e os patronos da "Semana" a realizaram. Era um simples operário, um pintor/decorador de paredes, que pintava os ornamentos murais, frisos, florões etc., usados nos salões dos palacetes da época. Acima de tudo, esse dado tem uma importância simbólica. Mostra que a trajetória de Volpi foi desde sempre independente de qualquer movimento, tendência ou ideologia.
Auto-didata, Volpi começou, na juventude, fazendo pequenas e tímidas telas do natural, nas quais às vezes se nota um toque impressionista. Na década de 30, sua pintura adquire um sabor claramente popular - embora permaneça, ao mesmo tempo, paradoxalmente, sempre concisa, sem a menor prolixidade nem retórica. É a década de 40 que marca sua decisiva evolução em direção a uma arte não representativa, não mimética, independente da realidade contemplada.
Volpi passa a trabalhar de imaginação, no atelier, e produz marinhas e paisagens cada vez mais despojadas, que acabam se transformando em construções nitidamente geométricas - as chamadas "fachadas". É como se o artista refizesse sozinho, por si mesmo, todo o caminho histórico da primeira modernidade, de Cézanne a Mondrian. Sua linguagem não se parece com a desses mestres, mas os propósitos são os mesmos: libertar-se da narrativa e construir uma realidade pictórica autônoma do quadro. Cada tela, nessa época, parece sair exatamente da anterior, num processo contínuo e linear. Através dessas paisagens, que na passagem aos anos 50 se transformam em fachadas, Volpi chega, em 1956, à pintura abstrata geométrica - mas não porque ela está na moda e virou objeto de polêmica, e sim como conseqüência inexorável de sua própria evolução.
A fase rigorosamente abstrata é curtíssima. Dos anos 60 em diante, Volpi fez uma síntese única entre arte figurativa e abstrata. Seus quadros admitem uma leitura figurativa (nas "fachadas", nas famosas "bandeirinhas"), mas são, essencialmente, apenas estruturas de "linha, forma e cor" - como ele mesmo insistia em dizer.
Também ímpar é a síntese que faz entre suas origens populares e uma produção formalmente muito requintada, sem dúvida erudita. Finalmente, ele concilia e sintetiza brasilidade e universalidade. Pode-se dizer que o projeto estético procurado por Tarsila e articulado e explicitado por Rubem Valentim foi realizado na plenitude por Volpi, de maneira não intelectual e sim prodigiosamente intuitiva.

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