Thomas de Quincey: Fragmentos de "Confissões de um Comedor de Ópio"

O dia em que abandonei Oswestry era iluminado pelo louro sol dos últimos dias de novembro. Poder-se-ia dizer com tanta verdade como do luar de Jessica em “O mercador de Veneza”, que aquele fulgor solar parecia dormir sobre os bosques e os campos, tal era seu religioso silêncio, seu repouso profundo como a morte.
Aquele era um desses dias que nos proporciona a curta e amável estação do estio que renasce para dizer-nos adeus, estação que, com diferentes nomes, é conhecida em toda parte. Na América do Norte chama-se o “verão índio”; na Alemanha setentrional e central é o “verão das velhas”, ou mais raramente o “verão das solteironas”. E essa última e rápida ressurreição do estio em suas reminiscências mais brilhantes, ressurreição que não tem raízes no passado, que não tem nenhum apoio no porvir; lembra os lânguidos e caprichosos resplendores da lâmpada agonizante, imita o que se chama nos enfermos “a lucidez ante a morte” quando estão chegando ao fim. Nela se sente a luta produzida entre as forças minguantes do estio e as forças crescentes do inverno; parece-se bastante com o que, arrastado por forças antagônicas e uma inflamação extrema e, por conseguinte, a uma batalha furiosa, precipita o corpo mais rapidamente no sentido da morte e do repouso definitivo. Durante algum tempo subsiste o equilíbrio entre as forças inimigas; afinal o antagonismo é dissipado: alcançam a vitória as forças que lutam pela, e de par com a cessação da luta, desaparece a angústia do prélio. A partir deste instante, a formosa inclinação pela vida que definha, sem ser perturbada por quaisquer reações, deixa-se levar com religiosa placidez para as mudas profundidades do infinito.
Que doçura, que mistério neste terno sorriso dourado, silencioso como um sonho, e que morre sereno como se desvanece a vida de um santo! Assim se esbateu gradualmente aquele dia de adeus, durante o qual empreguei todas as horas em saudar o país de Gales por muitos anos, e me despedi do estio. O aspecto, a calma sepulcral daquele dia imóvel, à medida que deslisava solenemente da manhã para o meio-dia, para a tarde, aguardando a noite que estugava o passo para devorar-lhe a beleza, fazia-me sentir uma impressão fantástica, como si estivesse lendo a própria linguagem da resignação quando cede ante uma força invencível. E ouvia de vez em quando – numa clave bem diversa – o mugido rouco e eterno daquela tremenda metrópole, da qual cada passo me aproximava, chamando-me, ao que me parecia, a desígnios tão obscuros, acontecimentos tão incalculáveis como o são as trajetórias seguidas pelas balas atiradas ao acaso nas trevas.

Comentários

Anônimo disse…
Carlos
a cada dia sou supreendido com seus fragmentos. quanta cultura e diversidade.
parabens
Antonio

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