Paul Klee: Fragmentos de "Sobre a Arte Moderna e Outros Ensaios"

Sobre a Arte Moderna 4 
 Senhoras e senhores: 

Ao tomar a palavra diante de meus trabalhos, que na verdade deveriam se expressar em sua própria linguagem, fico apreensivo, por não saber se os motivos que me levam a isso são suficientes, ou se vou falar de maneira apropriada. Pois se, como pintor, sinto possuir os meios de expressão para pôr os outros em movimento na direção em que eu mesmo sou impelido, não me sinto capaz de, usando palavras, indicar com a mesma certeza tal caminho. Entretanto me tranqüilizo pelo fato de que meu discurso não se dirige isoladamente aos senhores, mas sim completando as impressões recebidas de meus quadros – o que talvez possa dar a eles a caracterização que ainda está mal definida. Se eu conseguir fazer isso de algum modo, ficarei satisfeito e considerarei alcançado o objetivo de minha tentativa de argumentação diante dos senhores. Para me esquivar da reprovação “pinte, artista, não fale”, gostaria de levar em consideração principalmente a parte do procedimento criativo que, durante a feitura de um trabalho, se realiza mais no subconsciente. De um ponto de vista inteiramente subjetivo, isto seria a justificativa apropriada para o discurso de um pintor: deslocar o centro de gravidade estimulando novos meios de abordagem; aliviar o aspecto formal conscientemente sobrecarregado, enfatizando o conteúdo. Uma tal comparação é o tipo de coisa que me interessaria, e que iria me aproximar de um questionamento conceitual e verbal. Mas desse modo eu estaria pensando apenas em mim mesmo, esquecendo que a maioria dos senhores está mais familiarizada com o conteúdo do que com o aspecto formal. Sendo assim, não poderei deixar de dizer algo a respeito das questões formais. Vou ajudá-los a observar a oficina do artista, e então poderemos nos entender. Tem de haver alguma região comum aos espectadores e aos artistas, na qual é possível uma aproximação mútua, e onde o artista não precisa aparecer como algo à parte, mas sim como uma criatura que, como os senhores, foi lançada sem aviso num mundo multiforme e, como os senhores, tem que achar seu caminho, por bem ou por mal. O que diferencia a artista dos senhores é o fato de ele lidar com a situação usando seus próprios meios, e com isso às vezes acabar sendo mais feliz do que aquele que não é criador, que não alcança a salvação contida na criação de formas reais. Essa vantagem relativa deve ser concedida ao artista de bom grado, porque em outros aspectos ele tem muitas dificuldades.

Comentários

Janaina Amado disse…
Olá, que bom que retornou! Ótimo o texto do Klee, concordo integralmente com ele. Abraços e bom retorno à blogosfera.

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